segunda-feira, 27 de maio de 2013

CRÔNICA NARRATIVA: A ÚLTIMA CRÔNICA



CRÔNICA NARRATIVA
        A crônica é um tipo de  texto, na maioria das vezes, curto e com poucos personagens. O foco narrativo, geralmente, encontra-se  na primeira pessoa. O cronista, ao descrever uma cena ( flagrante ), lhe dá um toque leve, especial e pessoal. Os assuntos da crônica se encontram no cotidiano e faz parte do dia- a- dia das pessoas e muitas vezes são fatos irrelevantes, os quais passam despercebidos aos olhos das pessoas comuns, mas, aos olhos do cronista são  flagrados e escritos de uma forma toda especial. 




EXEMPLO DE CRÔNICA:

 A ÚLTIMA CRÔNICA
     Ao fundo do botequim um casal de negros acaba de sentar-se numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
     Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando, imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este, ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
     A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente.
     Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e  a filha obedece em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também,, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
     São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: ‘parabéns pra você, parabéns pra você...’ Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa.
     A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
     Assim eu quereria minha última crônica :  que fosse pura como esse sorriso.

(Fernando Sabino)


LEGENDA DE CORES:
A cor rosa representa os pronomes e verbos em 1ª pessoa.
As palavras na cor verde registram o modo carinhoso do cronista tratar a menina de três anos de idade e para isso, ele escreve as palavras no diminutivo.
A cor azul registra o modo como o cronista observa a cena, deduzindo  pelas ações, os pensamentos e os sentimentos das personagens.
OBS.: A cena em si, é irrelevante porque a presença de um casal de negros acompanhados de uma criança de três anos de idade, passa despercebido aos olhos de quaisquer pessoas, pois trata-se de uma cena comum, num ambiente comum, porém, aos olhos de um cronista, o irrelevante passa a ter uma grande importância. Ele enxerga a cena de uma maneira especial, descreve-a,  observa e faz deduções do que está acontecendo além do que vê. Em momento algum o cronista se ausenta do local da cena e o que mais lhe chama a atenção, além da compostura humilde da família, é o olhar do pai, que ao perceber que o cronista o observava, no princípio mostrou-se tímido e envergonhado pela sua situação de pobreza  mas, enfim, se refez todo orgulhoso, pois apesar de sua pobreza pôde comemorar o aniversário de sua filha.






Nenhum comentário:

Postar um comentário