CRÔNICA NARRATIVA
A crônica é um tipo de texto, na maioria das vezes, curto e com poucos personagens. O foco narrativo, geralmente, encontra-se na primeira pessoa. O cronista, ao descrever uma cena ( flagrante ), lhe dá um toque leve, especial e pessoal. Os assuntos da crônica se encontram no cotidiano e faz parte do dia- a- dia das pessoas e muitas vezes são fatos irrelevantes, os quais passam despercebidos aos olhos das pessoas comuns, mas, aos olhos do cronista são flagrados e escritos de uma forma toda especial.
EXEMPLO DE CRÔNICA:
A ÚLTIMA
CRÔNICA
Ao
fundo do botequim um casal de negros acaba de sentar-se numa das últimas mesas
de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de
gestos e palavras,
deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus
três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa
balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de
curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a
instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais
que matar a fome.
Passo a
observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do
bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão
um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando, imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do
garçom. Este, ouve,
concentrado, o pedido
do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do
balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – bolo simples,
amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa,
olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho
que o garçom deixou à sua frente.
Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e a filha obedece em torno à mesa um discreto
ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer
coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também,, atenta como um
animalzinho. Ninguém
mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta
caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca
o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com
força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se
juntam, discretos: ‘parabéns pra você, parabéns pra você...’ Depois a mãe
recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa.
A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a
comê-lo. A mulher está
olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha
no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim,
satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se
perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e
enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha
última crônica : que fosse pura como esse sorriso.
(Fernando Sabino)
LEGENDA DE CORES:
A cor rosa representa os pronomes e verbos em 1ª pessoa.
As palavras na cor verde registram o modo carinhoso do cronista tratar a menina de três anos de idade e para isso, ele escreve as palavras no diminutivo.
A cor azul registra o modo como o cronista observa a cena, deduzindo pelas ações, os pensamentos e os sentimentos das personagens.
OBS.: A cena em si, é irrelevante porque a presença de um casal de negros acompanhados de uma criança de três anos de idade, passa despercebido aos olhos de quaisquer pessoas, pois trata-se de uma cena comum, num ambiente comum, porém, aos olhos de um cronista, o irrelevante passa a ter uma grande importância. Ele enxerga a cena de uma maneira especial, descreve-a, observa e faz deduções do que está acontecendo além do que vê. Em momento algum o cronista se ausenta do local da cena e o que mais lhe chama a atenção, além da compostura humilde da família, é o olhar do pai, que ao perceber que o cronista o observava, no princípio mostrou-se tímido e envergonhado pela sua situação de pobreza mas, enfim, se refez todo orgulhoso, pois apesar de sua pobreza pôde comemorar o aniversário de sua filha.
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