CRÔNICA NARRATIVA
A crônica é um tipo de texto, na maioria das
vezes, curto e com poucos personagens. O foco narrativo, geralmente,
encontra-se na primeira pessoa. O cronista, ao descrever uma cena (
flagrante ), lhe dá um toque leve, especial e pessoal. Os assuntos da crônica
se encontram no cotidiano e faz parte do dia- a- dia das pessoas e muitas vezes
são fatos irrelevantes, os quais passam despercebidos aos olhos das pessoas
comuns, mas, aos olhos do cronista são flagrados e escritos de uma forma
toda especial.
OBS. :
A cor azul representa os verbos e os pronomes na 1ª pessoa.
A cena que o cronista observa é a de
um homem nadando no mar. A maestria de
seus movimentos, no
mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento e sereno desperta no cronista
admiração.
EXEMPLO:
HOMEM NO MAR
De minha varanda vejo,
entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol.
O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas,
pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e
humildes; perto da terra a onda é verde.
Mas percebo um movimento em um ponto do mar;
é um homem nadando. Ele nada a certa distância da praia, em braçadas pausadas e
fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e
somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são
feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua
carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.
Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de
que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta.
Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se
ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros;
antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás
das árvores, mas esperei com toda confiança que
reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns
cinquenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a
esconderá. Que ele nade bem esses cinquenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que
conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo
ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.
É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem
os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo.
Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranquilo,
pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar;
quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza
e correção; esperei que ele atingisse um telhado
vermelho, e ele o atingiu".
Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o.
Não consigo saber em que reside, para mim,
a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de
alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a
fazia de um modo puro e viril.
Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe
apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a
esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.
( Rubem Braga )
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