A SAGA DOS CARECAS
(WALCYR CARRASCO)
Ser careca é um drama.
Pessoalmente, não acredito que, por falta de cabelos, alguém seja mais ou menos
charmoso. Mas as pessoas adoram fiscalizar. Tenho duas entradas desde os 20
anos de idade. Nunca aumentaram. Basta ficar sem ver alguma amiga alguns meses
para ouvir:
– Ih... Você está ficando
careca?
– Não, sempre fui assim.
Ganho um sorrisinho de dúvida.
Piadas não faltam. Tive um tio com uma calva pronunciada. Passou a vida toda
recebendo mimos:
– E aí, como vai o aeroporto de
mosquito?
– Já lustrou?
Durante muito tempo não
imaginei o desconforto. Só minha tradicional falta de tato me apontou a
seriedade da questão. Um amigo estava passando um remédio caríssimo, último
lançamento. Três fios solitários espetados no alto da cabeça. Todos os dias ele
se mirava no espelho, esperançoso.
– Estão nascendo, estão
nascendo!
Até que eu disse:
– Por que não junta os três e
faz uma chuquinha, bem para cima?
Olhar de ódio absoluto. Nunca
mais brinquei. Passei os anos seguintes tentando ser solidário.
– Puxa, já tem quatro fios! Que
bom, parabéns!
Ou:
– Tenha paciência. É que nem
horta. Tem de plantar, adubar, esperar crescer... Um dia a colheita vem!
Na praia o dito-cujo passava
protetor solar na pele reluzente!
Em compensação, há quase um MSC
– Movimento dos Sem Cabelos. Outrora criaram um refrão: "É dos carecas
que elas gostam mais...". Propaganda, sem dúvida. Falando francamente, nem
sempre os carecas ajudam. Inventam estratagemas.
Alguns deixam o cabelo crescer
de um lado e depois penteiam por cima da calva. Fica estranhíssimo, com os
ralos fios tentando superar o deserto do topo. Outros apelam para uma franja
comprida, que começa atrás das orelhas e cobre toda a frente. Se bate vento, é
uma revelação! E os que botam aquelas meias perucas modernas? Depois de
instaladas, recebem um corte semelhante ao dos cabelos, para dar a impressão de
uma única e viçosa plantação. Sempre há uma franja juvenil, mas milagre ninguém
faz. Com o tempo, os cabelos normais crescem. A peruca, não. Resta o topo
certinho. Em torno, um jardim selvagem!
Massagens. Estímulos para abrir
os vasos capilares. Extratos vegetais capazes de deixar um odor estranho por
semanas! Implante? A calva é preenchida com uns tufos ralos, à espera de que
floresçam. Deve ser mais fácil plantar soja! Um tratamento puxa a pele de trás
para a parte da frente da cabeça. O redemoinho fica na altura da testa! Um
amigo lançou mão de um artifício trágico: pintou a calva de preto. Encontrei-o
de noite e fui enganado:
– Como conseguiu?
Da vez seguinte nos cruzamos em
um shopping, de tarde. Vi a tinta! Parecia quase... piche! De perto, era
horrendo. Procurei agir educadamente, o que é horrível nesse tipo de situação.
Tentava desviar os olhos. Quando dava por mim, estavam pregados na área
asfaltada!
Admiro quem assume a calva.
Vários amigos raspam a cabeça toda. É um estilo. Também não fica mal quem deixa
a careca aparecer, rodeada por cabelos. Sem disfarce.
Depois de certa idade, os pelos nascem por todos os lados. Nas orelhas. No nariz. As sobrancelhas
transformam-se em
taturanas. Para muitos homens, dá para fazer trancinhas
rastafári no peito! Sem falar de outras áreas inomináveis. Só não nasce cabelo
na cabeça!
Eu me solidarizo com os
carecas. A genética, de fato, é bem injusta para com a vaidade
humana!
Análise do Conto
O tipo
de análise aqui proposto segue as características próprias do conto, que para
facilitar, decidiu-se pelo preenchimento de itens semelhantes a fichários.
1- Enredo: O autor narra de uma forma bastante humorada, o drama de quem é
careca.
2- Narrador: 1ª pessoa. ( ‘...não
acredito que, por falta de cabelos, alguém seja mais ou menos charmoso...’ );
(‘...Tenho duas entradas desde os 20 anos de idade...’); (‘...Durante muito
tempo não imaginei o desconforto...’).
3- Época Narrada: Percebe-se
através dos seguintes elementos fornecidos pelo texto: Protetor Solar – introduzido no Brasil em 1984 pela Johnson &
Johnson; Implante de Cabelo - apesar de ter surgido no final da década de
1960, tem seu apogeu a partir do século
XX; Shopping Center – Iniciou-se no
Brasil em 1966 (em São Paulo), hoje, esses estabelecimentos comerciais são
inúmeros, principalmente nas grandes cidades e já fazem parte do dia a dia das
pessoas; Genética- Gregor
Mendel (1822-1884) é considerado o pai da genética - embora não a tenha chamado
assim -, tendo publicado seus experimentos com ervilhas (Pisum sativum)
em 1866, Em 1905 W. Bateson deu a essa
ciência em desenvolvimento o nome de “Genética”, em referência ao termo grego
correspondente a “gerar”. Porém, a divulgação dessa ciência teve ênfase no
século XX.
4- Espaço/Cenário: O
autor sugere varias situações ocorridas com parentes e amigos carecas em vários
lugares, porém ele cita apenas dois
episódios ocorridos na praia e no shopping center.
5- Protagonista:
Não há efetivamente protagonista, mas pode-se dizer que são todas as pessoas
carecas e que no texto são estereotipadas por parentes e amigos do escritor.
6- Período Literário: Este
Conto pertence a Literatura Pós-Moderna surgida desde 1945 .
7- Mensagem: Se as pessoas carecas assumissem a calvície,
não precisariam passar por situações dramáticas.
8- Tema: O drama das pessoas
carecas .
9- Crítica: A
discriminação aos carecas, muitas das vezes vem deles mesmos que por não
aceitar a calvície recorrem a vários meios, muitos deles até ridículos,
piorando ainda mais a situação.
10-Verossimilhança: O que se passa no conto , acontece também na
vida real.
( Autor desconhecido )
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