A crônica é um tipo de texto, na maioria das vezes, curto e com poucos personagens. O foco narrativo, geralmente, encontra-se na primeira pessoa. O cronista, ao descrever uma cena ( flagrante ), lhe dá um toque leve, especial e pessoal. Os assuntos da crônica se encontram no cotidiano e faz parte do dia- a- dia das pessoas e muitas vezes são fatos irrelevantes, os quais passam despercebidos aos olhos das pessoas comuns, mas, aos olhos do cronista são flagrados e escritos de uma forma toda especial.
O MERCADÃO À NOITE
Saio da estação de metrô São Bento, no centro, às 23h40 de
quinta-feira. Não vejo ninguém. A rua está deserta, sem gente, sem carro, sem nada. A
ausência de movimento provoca uma sensação incomum. Não é medo, juro, mas, sim, uma
espécie de alerta que ecoa através do corpo até os dedos. Estou ligado, como se
dizia no fim do século passado. Atento.
Procuro o Mercado Municipal. É um dos meus pontos prediletos na
cidade, movimentado, colorido e transbordando de coisas gostosas para colocar
na boca. Mas nunca sei chegar direito, menos ainda à noite. Poderia tirar o iPhone do
bolso e acionar o Google Maps. Afinal, foi essa sensacional ferramenta digital
que me mandou descer do
trem aqui, ainda na fase de planejamento da excursão, lá no computadorzinho de
casa. Mas vejo adiante um posto policial. Considero mais prudente optar
pelo método antigo.
— O mercadão? — diz o PM a meu pedido de
informações sobre o caminho. — Está de carro ou a pé? A pé! — repete ele diante
da minha resposta, com o tom
de surpresa, mas nem tanto, de quem já viu de tudo, só gringo a caminho do
Mercadão à meia-noite, ainda não.
— Desce a segunda
à esquerda até o fim.
Entro na Ladeira Porto
Geral, onde as vitrines de fantasias para festas e os homens a dormir debaixo
das entradas das lojas, embrulhados em cobertores e caixas de papelão, dão à
rua um aspecto de baile fantasma.
No fim da rua já começo a encontrar os
caminhões carregados de laranjas. Alguns são antigos, deformados por décadas de
uso pesado. Outros são novíssimos, grandes, lustrosos. Eles são descarregados
por homens que puxam carrinhos. Levam caixas cheias de laranjas e trazem caixas
vazias. Muitas destas são empilhadas nas calçadas, onde há também um jogo de
baralho em curso, logo ali à frente.
Mas, curiosamente, tudo é feito quase
sem barulho, mesmo o jogo, que conta, como se não bastasse, com uma pequena
plateia. Poucos conversam. Quase todos falam baixo. A única frase que ouço e anoto é: “Ô,
Cabeção, tem isqueiro?” Os movimentos são sistemáticos e repetitivos.
Continuo a andar, agora até a entrada do mercado. Ali, embaixo
dos vitrais, o entra e sai é constante, mais próximo, agora, da madrugada.
Quase todos puxam carrinhos. Há uma feira em frente, do outro lado da rua, com
porções gigantes já encaixotadas. Ou são sacos grandes, de batatas e cenouras e
pepinos e couve-flor. A cena é milenar. Pouco difere de mercados de alimentos
em Santiago do Chile ou em Tóquio ou Dubai. Dá trabalho alimentar uma cidade
grande.
Dou a volta e me encontro na rua dos abacaxis. Famílias inteiras descarregam as frutas
embrulhadas numa espécie de palha que toma conta de tudo. Demoro a entender a cena,
que é linda.
Tiro umas fotos do meio
da rua. Vejo uma criança brincar soterrada em restos de plantas. Passa um
casal de moto. Ouço o motorista explicar para sua menina, na garupa, do que se
trata: “Abacaxi”.
Tiro o caderninho da bolsa e faço uma anotação para não esquecer a cena. Todos fomos atraídos
pelo mercado, reflito. É dele que tiramos o sustento.
( Matthew Shirts )
OBS.: A cor lilás representa os verbos
e os pronomes na 1ª pessoa.
A cena observada pelo cronista é o Mercadão de São Paulo à
noite. A descrição inicia-se logo que
ele sai da Estação do metrô São Bento e enquanto se dirige para o mercadão, vai
tecendo as cenas, observando o movimento das pessoas, que assim como ele, se
dirigem para o mesmo local. Observa as mercadorias sendo descarregadas, as
famílias que lá trabalham e as conversas
de algumas pessoas. Apesar de se tratar
de um espaço comum com cenas comuns em
qualquer lugar do mundo, ele a descreve com graça, num tom leve o que acontece
no cotidiano de um Mercadão.
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